O voto e a democracia da maioria

Mises.org
É ano eleitoral. Fervilham textos enaltecendo a democracia brasileira, a liberdade e os direitos que ela garante, inclusive o direito de escolher, através do voto, os nossos representantes, ou teoricamente, os representantes dos interesses da coletividade

Antes de tudo, porém, é preciso delimitar, conceituar e entender, de forma singela, o que é a Democracia, afastando para esse fim as interpretações filosóficas e as diferenças entre suas formas. A democracia tem sua origem na Grécia (demo = povo e kracia = governo). Embora Atenas tenha sido a matriarca do "Governo do Povo", nem todos podiam participar do processo nessa cidade. Obviamente, por interesses da classe "dominante", mulheres, estrangeiros e escravos não participavam das decisões.

Hoje, porém, também por interesse, há maior equidade de direitos. Todos podem votar. Entretanto, destaca-se que muitas vezes esses direitos são superestimados, pois o que existe de fato é uma "democracia" da maioria.

Se 51% da população apta a votar optar por uma alternativa, aos 49% restantes só resta aceitar e se orgulhar pela escolha justa e democrática. Num país como o Brasil com quase 126 milhões de eleitores, implica dizer que 61 milhões de pessoas, além da parcela que não é eleitora perderam a aposta, forma esta como muitas vezes é tratado o voto. Vale lembrar a expressão "não quero perder meu voto".
Essa consideração quantitativa, que preserva os interesses da maioria poderia ser oportuna para a sociedade brasileira. No Brasil, apenas 2,4 % da população é rica, ou seja, recebe salário mensal superior ou igual a R$ 22.487,00. Porém, é essa minoria que garante a preservação de seus interesses. Três hipóteses para isso saltam à vista: generosidade da parcela com menor poder aquisitivo, utilização de ardis pela minoria, ou ingenuidade da maioria.

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As relações sociais, praticamente de forma unânime, são marcadas pela sobreposição dos interesses pessoais sobre os coletivos, o que descarta a primeira hipótese. As duas hipóteses seguintes encontram-se aglutinadas, pois para a maioria ingenuamente (prefiro não pensar que isso ocorre conscientemente) abrir mão de seus interesses é necessário que a sagacidade da minoria entre em cena.

Apesar das diversas influências e dos condicionamentos que recebemos desde a tenra idade, destaca-se de forma recorrente a necessidade de pensarmos e questionarmos a realidade criticamente, principalmente a respeito da ideologia imposta pela classe dominante. Mas na prática, apesar da luta de classes, conforme apregoa Marx, ser o motor da história, a situação da "massa" nunca sai do mesmo lugar. O status quo sempre é mantido em favor da elite, (que tipo de elite, pois a vantagem econômica é apenas a conseqüência?)

Trazendo dados à essa análise, segundo o Atlas da Exclusão Social, elaborado pela Unicamp e pela USP, os 2,4% de famílias mais ricas detinham
um patrimônio equivalente a 74% do PIB e 33% da renda nacional. Mas há ainda os ricos e os muitos ricos e o poder financeiro dos últimos em relação ao resto do país é brutal. Cinco mil famílias (ou 0,001% do total) detêm 3% da renda nacional e têm patrimônio correspondente a 45,85% do PIB.

Ainda com relação a essa questão sócio-econômica, o estudo destaca que as famílias mais ricas encontram-se nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Será coincidência a maioria dos políticos serem dessa região ? Só presidentes foram em torno de 15.

E nesse caso, retorna-se ao voto como exemplo. Se o voto é um direito, a questão a ser indagada é: direito de quem?

Ocorre que em alguns países o voto não é obrigatório. Só se vai às urnas quando se tem consciência de em quem vai votar e do porquê de tal escolha. Destarte, a probabilidade desse espírito cívico, e porque não dizer moral, existir é maior. Há democracia, há liberdade, há escolha.

No Brasil, por outro lado, o voto é fortemente apresentado e veiculado pelo Estado como o apogeu das conquistas democráticas, porém, é obrigatório. Toda essa atenção ao símbolo mor da democracia contribuiu para dar ao país destaque mundial no processo eleitoral com a implementação da tecnologia das urnas eletrônicas, e agora, com o estudo da viabilidade das urnas biométricas. Essa obrigatoriedade, sob pena de suspensão de muitos direitos civis serve a propósitos.
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Infelizmente, é fato que grande parcela da população não vai às urnas com o senso de dever político (afinal, para muitos política é um termo chulo), vai por obrigação, para evitar sanções. E nesse afã de livrar-se da obrigação, não vota naquele, entre outras características indispensáveis, que dá a palavra de honra (prefiro retirar o termo vazio promessa) de defender os interesses coletivos, mas naquele que investiu mais, incluindo aqui os "vale-benefícios" distribuídos à população.

O voto obrigatório garante um grande número de votos baratos que serão cobrados da coletividade, com juros só comparáveis às taxas tributárias brasileiras. Feliz ou infelizmente, o processo eleitoral é apenas uma fase do todo que é a democracia, que tem como pressuposto a função de preservar e garantir benefícios à sociedade, entendida como um todo, e não resumida aos interesses da minoria.

Nesse sentido, cabe a todos, tomar consciência de seu papel como cidadão, como responsável pelo caos e pela falta de ética que se encontra grande parte do universo político, o que evidentemente reflete e gera a quase totalidade dos problemas que essas mesmas pessoas reclamam e usam como justificativa para a própria falta de civismo.

Assim, se votar é um direito, exigir e acompanhar as ações dos representantes políticos é uma obrigação. Se votar é uma obrigação, exigir e acompanhar as ações dos representantes políticos é nosso direito.

Publicado no Jornal Folha de Irati, ano 35, nº 1650, de 24/04/2008.

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