Asfalto Irati - São Mateus do Sul : Reflexos da pavimentação da PR 364 na circulação

De longa data vem se debatendo e ocorrendo reivindicações para tratar da pavimentação asfáltica entre Irati e São Mateus.

Diversas audiências públicas visaram a apresentar e discutir a questão da pavimentação da PR 364, mais precisamente, do trecho de aproximadamente 47 km entre São Mateus do Sul e Irati. (Essa ordem das cidades se deve porque a contagem quilométrica da rodovia se inicia pelo sentido norte – sul).

A discussão é complexa, indo além da questão burocrática e política e do que revelam os fatores técnicos. Poderão haver impactos não só ambientais, mas também econômicos, sociais, demográficos, culturais, etc. que afetarão direta ou indiretamente o modo de vida não só da população estabelecida nas adjacências do trecho, mas dos
municípios circunvizinhos, influenciando possivelmente a circulação (tanto material quanto intangível - como econômica, informacional, cultural) tanto em escalas pontuais quanto de maior abrangência. Além disso, tal mudança no sistema de circulação poderá afetar, inclusive, a definição de outras políticas e obras públicas e a valorização seletiva do espaço.

Caracterizando o objeto da discussão, resumidamente a Rodovia PR-364 é uma estrada pertencente ao (governo do) estado do Paraná que liga as cidades de São Mateus do Sul (próxima à divisa com o Estado de Santa Catarina) e Guaíra (próxima à divisa com o Estado do Mato Grosso do Sul e com o Paraguai). Recebe diferentes denominações, conforme a localidade por onde passa, como por exemplo, Rodovia João Rocha Ribeiro, Rodovia Luiz Douglas Araujo
e Rodovia Edgard Andrade Gomes, no trecho entre o entroncamento com a BR-153 e Inácio Martins, de acordo com a Lei Estadual 10.489 de 26/10/1993.


A PR-364 forma um eixo viário importante em São Mateus do Sul, onde possui entroncamento com a BR-476 e a PR-151. Mais ao Norte, em Irati, a rodovia se entronca com a PR 153 (atualmente denominada de BR-153), permitindo o acesso posterior aos sistemas rodoviários da PR-364 e da BR-277, a qual corta o estado do Paraná, sendo um dos mais importantes corredores econômicos do Brasil.


Segundo a Folha Centro Sul, a pavimentação da PR 364  é uma reivindicação antiga. Em “um exemplar do extinto jornal local Cidade, datado de 21 a 27 de agosto de 1985, já havia comentários sobre a expectativa da compatibilidade de recursos para início da ação. O jornal cita ainda que o asfaltamento do trecho era prometido pelo governo da época, José Richa — pai do atual governador do Paraná. Entretanto, segundo relatos de usuários da rodovia, na audiência pública de 2014 e na mídia - entre elas, a Agência de Notícias do Paraná - a expectativa para a pavimentação já beira os 50 anos.

Ainda segundo a Agência de Notícias, “a pavimentação desta rodovia cria uma ligação entre os dois corredores rodoviários que o Estado está programando para as BR- 153 e BR-476 e que vão cruzar o Paraná, ligando São Paulo a Santa Catarina”, disse o secretário de Infraestrutura e Logística, José Richa Filho. 

Os novos corredores, cujos projetos já foram apresentados ao Governo Federal, visam melhorar o fluxo de veículos nestas rodovias, permitindo um melhor escoamento da safra paranaense, além de incrementar o trânsito de mercadoria do setor industrial, gerando mais emprego e renda no estado do Paraná. A pavimentação da PR-364 também terá reflexos regionais, subsidiando uma maior circulação no comércio e na produção agropecuária de vários municípios da região Sul do Estado e Norte de Santa Catarina.

Conforme matéria no site da Rádio Najuá, para o presidente da Assembleia Legislativa, Valdir Rossoni, os recursos para a pavimentação da rodovia estão incluídos no empréstimo de R$ 817 milhões, o qual foi liberado para o Paraná através do programa Proinveste. O custo total da obra será de cerca de R$ 130 milhões.

É preciso destacar, entretanto, que o Brasil, com sua política rodoviarista, deixou não só de ampliar, como reduziu a malha ferroviária, a qual traz inúmeras vantagens no transporte, especialmente no de produtos com grande volume físico mas baixo valor agregado, como grãos, minérios, etc. Entre essas vantagens está: a grande capacidade de carga, reduzindo custos, impacto ambiental, reduzindo o fluxo de caminhões lentos (gargalo na circulação rodoviária) e pesados (responsáveis pela deterioração do pavimento, especialmente em rodovias antigas, não projetadas para as atuais tonelagens. Por outro lado, não apresenta a mesma flexibilidade na dispersão de cargas que o modal rodoviário.

Além disso, como destaca Barat (2007), as dimensões do país e a forte participação de bens primários e semimanufaturados na formação do PIB – Produto Interno Bruto, geram o movimento de uma volumosa carga, o que exige formas de circulação eficientes, ágeis, seguras e competitivas.

Não se pode desconsiderar, porém, que a infraestrutura no Brasil, especialmente a ligada ao transporte, reflete as políticas adotadas historicamente pelos governos, revelando um viés político e de seletividade nos investimentos, nem sempre considerando a eficiência, a economicidade e um efetivo planejamento estratégico para a logística brasileira. É o que comenta Freitas, (2003) ao ressaltar que a estrutura logística brasileira foi orientada seguindo moldes estatais, buscando a integração do mercado interno, sem considerar devidamente os custos, a qualidade e a produtividade. 

Freitas (2003) ainda evidencia que somente no início dos anos de 1990, apesar do acirramento da competitividade impulsionar o desenvolvimento do setor produtivo, a situação de estagnação e deterioração das infraestruturas evidenciou a amplitude dos problemas de logística existentes no país. Telles, Guimarães e Roessing (2009, p.04), exemplificam através de comparação a evolução dos modais rodoviário e ferroviário nos anos de 1975 e 1985, onde verifica-se que nestes 10 anos analisados houve crescimento do setor rodoviário e a retração do setor ferroviário.


O modal rodoviário teve um crescimento de 10,93%, atingindo mais de 1,4 milhão de quilômetros enquanto o ferroviário apresentou um decréscimo de 3,47%. Em 1995 a malha rodoviária brasileira superou os 1,660 milhão de quilômetros, apresentando um crescimento de 14,84% em relação a 1985. A evolução ou retração da malha rodoviária e ferroviária entre os anos de 1975 e 2005 pode ser visualizada através da figura abaixo.


Fonte: Telles, Guimarães e Roessing (2009, p.09)

Obviamente, todos os modais de transporte, apresentam alguma vantagem ou desvantagem relativa sobre o outro. Há de se ponderar especificidades, como volume transportado, peso, distância, necessidade de velocidade, etc. bem como as especificidades geográficas. Para visualizar um breve exemplo comparativo que ilustra as vantagens e desvantagens dos modais ferroviário e rodoviário, especialmente na circulação agrícola (produtos com grande volume e baixo valor agregado), tomando como o exemplo, a safra de soja, acesse o texto: Estado, circulação e logística: uma abordagem baseada no transporte da soja no Brasil, clicando aqui.


Ainda conforme matéria na Agência de notícias, a rodovia asfaltada facilitará o deslocamento de quem vem do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, criando um corredor viário de grande importância. A pavimentação da PR-364 facilitará o acesso a vários sistemas viários em direção a Foz do Iguaçu, São Paulo, Curitiba e Porto de Paranaguá. Algumas distâncias serão reduzidas em até 100 quilômetros. 

Além dessas vantagens, o asfalto entre São Mateus do Sul e Irati também vai desafogar a PR-151, que cruza o Paraná e suporta pesado tráfego de caminhões vindos do Sul em direção a São Paulo e ao Porto de Paranaguá. Pesquisa feita em 2008 mostra que 55% do movimento da PR-151 é de tráfego pesado. 

Fonte: rádio Najuá
Sem mencionar que o trecho de "estrada de chão", especialmente em dias de chuva, depende de constante manutenção, sob pena de inviabilizar a circulação. São diversos os casos de pneus cortados e de encalhamento de caminhões, gerando a manifestação dos moradores da região, que inclusive, em certa ocasião, bloquearam a estrada em protesto, na localidade de Marmeleiro (Rebouças - PR).

Outro público que poderá ser bastante beneficiado são os estudantes, que poderão se deslocar a Irati, um centro universitário mais próximo do outros para os quais os estudantes de São Mateus do Sul, São João do Triunfo, Antônio Olinto, entre outros municípios, se deslocam, conforme bem explica uma matéria realizada pela Rádio Najuá de Irati.

Entretanto, ao mesmo tempo em que pode desafogar a PR 151, pode gerar o inverso na BR 153. A pavimentação dessa rodovia pode gerar a indução de tráfego anteriormente não existente. Dessa forma, é preciso verificar e apostar que tal asfalto não irá trazer um fluxo adicional incompatível com a BR 153, de modo a aumentar os riscos de trafegabilidade, tendo em vista a precariedade da pista, a falta de acostamento, o fluxo de maquinários agrícolas na região, sem mencionar as áreas de aglomerações, de povoamento ou de convergência de pessoas, como bairros, empresas e a Universidade.


Além disso, se o fluxo for de caminhões ou veículos pesados, é necessário analisar, especialmente para os próximos anos, e tendo em vista o crescente aumento da capacidade de tonelagem dos transportes, se a pavimentação da já precária BR 153 é resistente ao fluxo incremental.

Imagens do Google (meramente ilustrativas)

Outra questão que merece atenção é a trafegabilidade, especialmente da área urbana da Vila São João até a  intersecção no bairro Riozinho, da PR 364 com a BR 153, onde será construído, provavelmente, um trevo em rótula, exatamente nas proximidades da Universidade (Unicentro), ponto onde converge grande fluxo de veículos.


Uma das grandes reclamações, especialmente de quem transita no sentido norte-sul da BR 153, principalmente nos períodos de fluxo da comunidade acadêmica ou no início e término dos horário comerciais, é a lentidão provocada por veículos de carga em um trecho de aproximadamente 5 km, com características praticamente urbanas, que vai do trevo da Vila São João (em Irati) até a Universidade, pois se trata de um trecho com faixa contínua, com fluxo relativamente grande de veículos e pessoas, formando um gargalo que pode ser potencializado . Há segmentações na faixa, mas ao contrário do que muitos pensam, são em decorrência dos acessos às ruas, bairros, empresas, e não liberando a ultrapassagem no referido trecho.

Imagens do Google (meramente ilustrativas)

Esse contexto impele a se conjecturar na necessidade da municipalidade iratiense pensar na melhoria e principalmente no estímulo ao uso de acessos alternativos à Unicentro e aos bairros Vila Raquel, Gutierrez, Riozinho, entre outros. Obras de pavimentação, iluminação pública, bem como outros equipamentos urbanos e obras públicas, além de desafogar o tráfego nos tradicionais corredores (trecho da BR 153, Rua Trajano Grácia, etc.), poderia contribuir com o desenvolvimento destes bairros, valorizando ainda mais o espaço urbano privado (com retorno ao erário sob forma de IPTU, sob a forma de contribuição de melhorias, etc.) e o espaço urbano público / social.


Por exemplo: Acadêmicos e demais usuários do referido trecho da BR 153 residentes em bairros como Rio Bonito (o mais populoso de Irati), Lagoa, Alto da Lagoa, Camacuã, DER, entre outros, ao se deslocarem para o Riozinho, Unicentro, Gutierrez, Rebouças, Rio Azul,  e mesmo à PR 364, poderiam utilizar a Avenida Noé Rebesco e a rua Antônio Borazo ao invés da sufocada, em determinados horários, BR 153.


Imagens do Google (meramente ilustrativas)

Situação que exige atenção e medidas que transformem a pavimentação em oportunidade e não em fragilidade, também merece ser analisada no que se refere ao município de Rebouças

Embora a PR 364 atravesse parte da área rural do município, o traçado contornará regiões relativamente longe do perímetro urbano. Assim, para acessar a PR futuramente pavimentada, ao sair da área central da cidade (ou vice-versa), será necessário transitar por estradas sem pavimento. Em outras palavras, o acesso da sede do município com a PR 364 não dispõe de pavimentação, demandando uma atenção constante com a qualidade das estradas (cascalhadas) que fazem esta ligação, já que a possibilidade de pavimentação asfáltica, ligando a sede do município à PR 364, demandaria um esforço político, investimentos significativos, e o principal, não seria concretizada em curto prazo ou antes da consolidação que os reflexos da facilidade de ligação viária com Irati e São Mateus do Sul pode gerar, no sentido de polarizar parte considerável do fluxo econômico que poderia se deslocar para Rebouças.

Fonte: IPARDES

Isso pode induzir os moradores das áreas rurais do município de Rebouças (PIB aproximado de R$ 123.400.000,00 em 2008), especialmente daquelas de raio próximo ao trecho pavimentado, a se dirigirem para São Mateus do Sul (cidade com 43.750 habitantes, conforme estimativa do IBGE para 2013 e com PIB em torno de R$ 350.000.000,00) ou para Irati, (cidade com previsão populacional para 2013, segundo o IBGE, de 58.957 habitantes), o que evidencia que estas cidades apresentam um centro econômico relativamente maior, oferecendo maiores possibilidades comerciais, de lazer, profissionais (maiores e mais empresas), de formação (cursos, universidade, etc), etc. sendo centros com maior capacidade relativa de circulação econômica e de atração populacional.

Nesse contexto, torna-se necessário também (re)pensar a viabilidade ou não e os reflexos econômicos, demográficos, sociais, políticos, em uma escala regional, da possibilidade de implementação do Porto Seco ou Estação Aduaneira Interior no entroncamento da PR 364 com a BR 153, na localidade de Riozinho, se beneficiando do já existente terminal ferroviário. Proposta discutida há muitos anos academicamente.

Isso seria interessante, inclusive, para evitar a competitividade local e somar esforços para o desenvolvimento regional, congregando, por exemplo, municípios estrategicamente viáveis da AMCESPAR.


Nesse mesmo sentido, para ressaltar a importância de vias de ligação de qualidade entre as localidade do interior de Rebouças e a sede do município (centro comercial), reduzindo a atração e evasão de recursos para as cidades de Irati e São Mateus (evitando a competitividade local), bem como ressaltar a importância de ligar eficientemente o trecho pavimentado da PR 364 à área urbana do município, visando atrair (e não retrair) o fluxo comercial, basta lembrar que Rebouças, município com significativa vocação agrícola,  tem uma população em torno de 14.176 habitantes, dos quais 47% (6.671) residem na área rural, e significativo trecho rural será cortado pelo PR 364, pavimentada e ligada aos municípios de Irati e São Mateus do Sul.





Outro destaque que justifica a vocação agrícola do município, é que segundo dados do IBGE (2010), do total de 6.453 pessoas ocupadas, 2.738 desempenham atividades relacionadas agrícolas (incluindo pecuária e pesca).

Por outro lado, há também os pontos positivos que podem ser especulados. As propriedades rurais lindeiras terão maior valorização (refletindo no ITR e na geração de receita tributária para o município), terão maior facilidade de escoar a produção (agrícola, leite,frutas, legumes, inclusive do PAA - Programa de Aquisição de Alimentos, etc.), as localidades rurais, como Marmeleiro, que já possuem equipamentos públicos, como escola e colégio, posto de saúde, associações, cooperativas, comércio, poderão ter o desenvolvimento facilitado.

Além disso, a facilidade de circulação poderá trazer novamente a discussão sobre o retorno da Festa nos Faxinais, por exemplo, tendo em vista que a maioria das cidades vizinhas, tradicionalmente tem alguma festividade que divulga o nome do município e marca sua vocação cultural, econômica, etc.

Ou seja, a pavimentação asfáltica trará inúmeras vantagens do ponto de vista da circulação, garantindo agilidade, segurança, redução de custos nos transportes, podendo ainda levar desenvolvimento nas regiões lindeiras à rodovia, refletindo em escalas maiores. Permitirá ainda uma melhor integração tanto a nível local, quanto regional, na medida em que possibilitá um acesso mais eficiente a corredores importantes com a BR 277 que corta o estado do Paraná.

Apesar disso, não se pode afastar o viés político da questão, nem a necessidade de se analisar além dos reflexos econômicos, merecendo uma consideração mais aprofundada os reflexos sociais e demográficos resultantes de tal investimento.

Para os municípios diretamente afetados, além da necessidade de avaliar os reflexos genericamente citados acima, será necessário também um acompanhamento dos reflexos na circulação urbana, na valorização seletiva dos espaços, na definição e escolha dos pontos a receberem obras infraestruturais, as quais em última análise refletirão nas condições de vida da população. Enfim, questões que a princípio não mantém relação direta com a pavimentação da rodovia, mas que podem causar mudanças nas mais diferentes esferas, inclusive culturais.

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